domingo, 27 de dezembro de 2009

Segue o Teu Destino


Segue O Teu Destino
Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De arvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nos queremos.
Só nos somos sempre
Iguais a nos-proprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Ve de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está alem dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.

(Ricardo Reis)

Notas:
(2) Este poema de Ricardo Reis foi musicado por Suely Costa. A bela canção resultante dessa parceria foi interpretada por Nana Caymi no disco tributo da Som Livre chamado "Música em Pessoa" (1985), cujo lançamento foi parte das homenagens pelos 50 anos da morte de Fernando Pessoa. Suely Costa suprimiu o terceiro verso e parte do quarto verso da quarta estrofe quando musicou este poema:

Ve de longe a vida.
Nunca a interrogues.
A resposta Está alem dos deuses.

(3) Recentemente a versão musicada de Segue o seu Destino foi regravada por Renato Braz no seu terceiro album solo "Outros Quilombos" (2002).
(4) Gostaria que esse poema fosse recitado ou, melhor ainda, cantado, no meu velório antes da minha cremação.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Tecendo a manhã


Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

João Cabral de Melo Neto

Notas: Poema publicado no livro "A educação pela Pedra" (1966)

Consciência Cósmica


Já não preciso de rir.
Os dedos longos do medo
largaram minha fronte.
E as vagas do sofrimento me arrastaram
para o centro do remoinho da grande força,
que agora flui, feroz, dentro e fora de mim...

Já não tenho medo de escalar os cimos
onde o ar limpo e fino pesa para fora,
e nem deixar escorrer a força de dos meus músculos,
e deitar-me na lama, o pensamento opiado...

Deixo que o inevitável dance, ao meu redor,
a dança das espadas de todos os momentos.
e deveria rir , se me retasse o riso,
das tormentas que poupam as furnas da minha alma,
dos desastres que erraram o alvo do meu corpo...


João Guimarães Rosa (Magma- Editora Nova Fronteira)